quarta-feira, 11 de maio de 2011

A ‘insurreição das vassouras’ e o horror dos intelectuais tradicionais, ou: Quando o ‘país de classe média’ mostra sua cara

Edison Salles, publicado no blog da revista Iskra
Passaram-se já alguns dias do movimento das trabalhadoras terceirizadas da limpeza da USP, que com o apoio de estudantes, professores, juristas, e do Sintusp, conseguiram romper a rotina da Universidade e abrir os olhos, mesmo aos mais relutantes em ver, para a realidade do trabalho em condições semi-escravas que se reproduz diariamente na própria USP. Também “baixou a poeira” da rebelião dos operários da construção civil em Jirau (RO), nas obras do PAC, que terminaram punidos com demissões em massa e tiveram de voltar, aos milhares, aos seus estados de origem com uma mão na frente e outra atrás. No caso da USP, as trabalhadoras da limpadora União conseguiram uma melhor sorte: arrancaram os salários atrasados e o pagamento dos direitos trabalhistas (quase todos) pela própria Universidade.
Mas o balanço dos dois conflitos (com suas grandes diferenças entre si, já explicitadas em outros textos) não se resume ao que se conquistou em cada caso. Aliás, nem se resume, nem está aí o principal. O fato é que, por meio deles – Jirau pela própria imponência dos números envolvidos e pela violência da explosão operária espontânea; na USP, pela feliz combinação entre uma luta que soube encontrar meios para chamar a atenção de todos, e o apoio que conseguiu angariar entre os setores mais diversos – por meio deles, dizíamos, começou a ceder uma terrível barreira invisível, que esconde as condições precárias, muitas vezes subumanas, de trabalho que sustentam o mito do “país de classe média”.
Mas nem todos querem aceitar essa nova realidade. Alguns, inclusive, derramaram “lágrimas de crocodilo” após a súbita exposição da miséria cotidiana de tantos. Porém só enganariam aos que já estivessem decididos a se deixar enganar... No caso da direção da FFLCH, epicentro da aliança operário-estudantil na luta das terceirizadas, o conservadorismo da reação à luta adotou as formas mais batidas e desgastadas pelo uso... mas, afinal, como os intelectuais conservadores poderiam dispensá-las?
Sob o título capcioso de “FFLCH, manobras políticas, degradação da imagem”, a direção da FFLCH lamentou “o prejuízo à imagem desta tradicional Faculdade ao associá-la às de degradação do ambiente e à sujeira espalhada em suas dependências”.
Em seu comunicado oficial, afirmam que “a FFLCH foi alvo de repudiáveis atos predatórios, ao que tudo indica relacionados com a greve dos funcionários da empresa, que receberam apoio do SINTUSP (Sindicato dos Funcionários da USP) e de parcela reduzida de estudantes”.
É certo que são obrigados a afirmar “suas posições firmes na defesa dos direitos constitucionais democráticos e dos princípios consagrados nas convenções dos direitos humanos. Somos – docentes, alunos e funcionários -, como não poderíamos deixar de ser, solidários com as vítimas de graves violações de direitos, em especial os direitos trabalhistas”. Quem se comove com suas lágrimas, jacaré?
Mas o alvo do comunicado é dizer que “Esta posição firme e inquestionável (sic) não implica, sob qualquer hipótese, a aceitação de meios inadmissíveis para garantir direitos, que apelam para o uso ou ameaça de uso de força e de meios de ação moralmente condenados como vandalismo e depredação dos espaços públicos”. Como se a história conhecesse algum direito que não fosse arrancado pela luta, e como se alguma luta séria pudesse não adotar meios considerados “condenáveis” pelos guardiões da moral e ordem públicas!
Discurso tipicamente conservador, e inclusive ridículo: “não toleraremos que o vandalismo obscureça toda uma longa história de êxitos e de reconhecimento público”. Que coisa lamentável, ver tão sábios doutores usando uma verborragia histérica para tentar diminuir o enorme apelo emotivo e o genuíno entusiasmo que as trabalhadoras em luta causaram em amplos setores dos estudantes (e em parcela sensível da intelectualidade). Nem seria preciso dizer, mas em todo caso expliquemos para melhor desmascarar a covardia dos doutores que comandam a FFLCH: o “vandalismo” de que fazem alarde, se limitou ao singelo ato de voltar a tirar dos cestos e latas o mesmo lixo que havia sido recolhido pelas trabalhadoras antes invisíveis.
Não se escondam atrás de frases moralistas: o que lhes causa horror não é tanto o lixo no chão, mas o aroma a “controle operário da produção” que se pôde sentir naqueles dias na FFLCH – mulheres e homens trabalhadores que de repente se levantam e aprendem a usar seus meios de trabalho como meios conscientes de luta, dos quais dispõem de acordo com sua decisão coletiva e em prol dos seus justos objetivos.
No entanto, algo mais ainda deve ser dito: que esses sábios que compõem orgulhosamente a burocracia acadêmica (encabeçados pela sra. Sandra Nitrini) se aventurem em semelhante hipocrisia, isso não chega a surpreender. Afinal, não foi o próprio “guru” de tantos ali, FHC em pessoa, quem andou tentando reabilitar “o moralismo” e “a UDN”, e tudo isso de um golpe só? O que sim causa espanto é que, lamentavelmente, o mesmo discurso burocrático e conservador pôs na defensiva parte da esquerda. Inclusive parte da esquerda que festeja quando vê os trabalhadores da “classe C” entrarem no mercado de consumo... mas que parece não tolerar que esses mesmos trabalhadores resolvam se colocar de pé como verdadeiros sujeitos de suas histórias, e não mais meros “objetos” enfeitando as estatísticas oficiais.
Outra parcela foi a dos que simpatizaram com a causa, mas chegaram a pensar que “o movimento usou uma tática desastrosa”... Quando o próprio alcance e repercussão da luta mostram justamente o contrário!
Não companheiros, não esperemos os aplausos de nossos “piedosos” inimigos, não nos deixemos envolver por sua fraseologia vazia e hipócrita. As trabalhadoras da limpeza na USP abriram caminho, usando métodos legítimos e próprios da luta de classes universal, para uma verdadeira luta pelo fim do trabalho precário em condições semi-escravas; levantaram alto a bandeira da “Efetivação dos terceirizados”, na USP e em todas as grandes empresas do país, mostrando que nesse caso a garantia de que estão aptas para o trabalho está em sua própria experiência, muitas vezes de anos a fio em suas funções.
Viva a luta das trabalhadoras da limpeza da USP!
Escravidão, nunca mais!  Viva a luta de todos os trabalhadores terceirizados pela Efetivação!
Viva a aliança operário-estudantil!


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